Frutos das práticas contemplativas
É natural que cristãos interessados em iniciar alguma prática contemplativa perguntem que frutos poderão colher dessa prática, isto é, que progressos poderão alcançar.
Embora a fidelidade a práticas contemplativas possa nos conduzir, com o auxílio da Graça, à experiência da contemplação, pode-se dizer que mais importante que essa experiência é a sua integração, de forma continuada, ao restante de nossa realidade, de modo que possamos vivê-la em estado contemplativo. Dom Thomas Keating diz, a respeito desta questão: (1)
"A união estabelecida durante a oração deve ser incorporada ao restante da realidade. A presença de Deus deve se tornar uma espécie de quarta dimensão para toda a vida. Nosso mundo tridimensional não é o mundo real porque dele está ausente a mais importante dimensão, ou seja, aquela da qual tudo que existe está saindo e para a qual está retornando em cada momento microscópico do tempo. É como acrescentar som a um filme mudo. A imagem é a mesma, mas o som a torna mais viva. O estado contemplativo é estabelecido quando a oração contemplativa deixa de ser uma experiência ou série de experiências para ser um estado duradouro de consciência. O estado contemplativo nos possibilita descansar e agir ao mesmo tempo, porque estamos enraizados na fonte do repouso e da ação."
O estado contemplativo abre a quem nele se incorpora uma maior sensibilidade às coisas espirituais, evidenciada pelo maior gosto pela oração, pela liturgia, pela leitura da Palavra e pelos sacramentos, assim como uma mais clara percepção do momento presente e do estar-no-mundo. É normal esperar, também, que se tornem mais nítidas, em tais pessoas, as qualidades que São Paulo chamava de "frutos do Espírito" (Gl 5, 22): amor, alegria, paz, firmeza de ânimo, afabilidade, generosidade, fidelidade, mansidão e autodomínio. A este respeito Dom Thomas Keating escreve: (2)
"Os frutos do Espírito são indicações da presença de Deus operando em nós em vários graus e sob várias formas. Através dos frutos o Espírito torna-se uma realidade em nossas vidas. Manifestando os frutos na vida diária nós damos testemunho da ressureição de Cristo da forma mais profunda. Não é tanto nossa pregação ou nosso ensinamento, mas nosso enraizamento no Espírito que comunica a vida de Cristo às pessoas que nos cercam – nossa família, amigos e aqueles com quem trabalhamos. Se estivermos enraizados no Espírito os frutos inevitavelmente começarão a aparecer."
Esses progressos não podem, contudo, ser alcançados sem nenhuma perda. Thomas Merton, a propósito disto, assinala: (3)
"Devemos admitir, francamente, que autonegação e sacrifício são absolutamente essenciais à vida de oração. Se a vida de oração tem por fim transformar nosso espírito e fazer de nós "homens novos" em Cristo, então a oração deve ser acompanhada de "conversão", metanoia, aquela profunda mudança de coração na qual nós morremos, em certo nível do nosso ser, para podermos nos encontrar vivos e livres em outro nível mais espiritual."
Nesse "outro nível mais espiritual" o "homem novo" vai sendo aos poucos transformado por Deus, ao longo de toda a sua caminhada existencial, de forma a tornar-se mais e mais capaz de manifestar ao mundo a imagem divina em si mesmo. O teólogo Carlo Molari expressa, com felicidade, algumas das transformações por que passamos nesse percurso: (4)
"Cada homem nasce dividido e deve realizar sua unidade interior. Nasce disperso entre as coisas e deve chegar à concentração. Nasce projetado fora de si e deve estabelecer o seu centro. Nasce opaco e deve adquirir a trasparência. Nasce vazio e deve crescer sté a plenitude. (...) É um longo caminho que, por etapas diversas, dura a vida toda, e que tem como horizonte o mundo, a criação e a História."
A título de conclusão, pode ser aproveitada uma reflexão de Dom Bernardo Schuh (1911 – 1987), um dos mais queridos mestres espirituais do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro no século passado. Preferindo chamar o estado contemplativo de estado de oração, ele o equipara a um estado de amor: (5)
"A oração é muito mais atitude do que pronunciamento. Pode haver um estado de oração que não se pronuncie mais, porém exista. O estado de oração se compara ao estado de amor. Se amamos alguém, não precisamos dizê-lo, nem podemos sempre sentí-lo. Na ausência, o amor toma a forma de saudade; na presença, de bem-estar. Não se pode dizer ou sentir o mesmo, necessariamente, em relação ao próprio Deus. O amor a Deus é um estado tranqüilo, de silêncio profundo. (...) Estar bem diante de Deus é melhor que sentí-lo. Não se queira sentir. O sentimento cansa. Mas a tranqüilidade do ser, no estado de amor, que Deus entende porque Cristo o entendeu, este é o verdadeiro estado de oração."
(1) Thomas Keating, OCSO: Mente Aberta Coração Aberto – A Dimensão Contemplativa do Evangelho - Edições Loyola, 2005
(2) Thomas Keating, OCSO: Fruits and Gifts of the Spirit – Lantern Books, 2000
(3) Thomas Merton: Contemplative Prayer – Darton-Longman & Todd, 1973
(4) Carlo Molari: Meios para o Desenvolvimento Espiritual – Capítulo 4 do livro Curso de Espiritualidade, organizado por Bruno Secondin e Tullo Goffi – Edições Paulinas, 1994
(5) Dom Bernardo Shuh, OSB: Amor – Essência da Oração (folheto) – Edição particular, 1990.
1 comments:
Muito bonito!!
Postar um comentário
<< Home