06 abril 2013

Vida de oração


O texto a seguir foi extraído do livro Contemplatio (1), do Pastor Osmar Ludovico da Silva (foto),  da Comunidade de Jesus, com autorização do autor. Osmar Ludovico é, em nosso país, um dos líderes evangélicos mais identificados com os valores e ensinamentos que constituem o rico patrimônio espiritual e cultural da tradição contemplativa cristã. Nos últimos trinta anos coordenou e orientou Comunidades de Jesus em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Curitiba. Estudou no Seminário Palavra de Vida, em Atibaia, SP, e participou de cursos com John Stott, na Inglaterra, e Hans Bürki, na Suíça. É casado com a psicóloga clínica e escritora Isabelle Ludovico, com quem atualmente reside em Cabedelo, na Paraíba, e pai de dois filhos (Priscila e Jonathan). Dedica-se no presente à direção de cursos  de espiritualidade, revisão de vida e seminários para casais, pastores e missionários no Brasil e no exterior. 
Contatos: osmar@ludovicosilva.com.br


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HÁ SEMPRE TENSÃO E EQUILÍBRIO entre a oração privada e a pública, entre a vida comum na igreja e a vida interior do cristão. A ênfase e a valorização de apenas um desses aspectos em detrimento do outro conduz, inevitavelmente, ao empobrecimento da vida cristã. Manter a comunhão e orar com a igreja nos ajuda a crescer na fé, na esperança e no amor, mas nada substitui a necessidade irresistível do recolhimento para dialogar com Cristo, pessoa a pessoa, na intimidade do coração.
Quando lemos o Evangelho, aprendemos que as duas direções são importantes. Por um lado, a oração comum: “Também lhes digo que se dois de vocês concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 19). Por outro, a oração pessoal: “Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará” (Mt 6, 6).

Não se trata de contradição, pelo contrário: esses dois modos de orar são complementares. A verdadeira devoção pessoal resulta no encontro e na comunhão, e a verdadeira devoção comunitária desperta o desejo de criar um espaço interior e pessoal diante de Deus.
Jesus Cristo nos mostra, por exemplo, o lugar da oração pessoal. Ficou quarenta dias no deserto em jejum e oração antes de iniciar seu ministério. Frequentemente se retirava para a montanha ou para o jardim em busca de um local isolado para conversar com o Pai. A oração era parte do dia-a-dia de Jesus Cristo; seu coração cheio de amor desejava a companhia e a intimidade do Pai. Porém também o vemos orando com seus discípulos o Pai-Nosso e culminando com sua oração sacerdotal, conforme o registro de João 17.

Reduzimos nossa vida de oração às petições. É comum numa reunião o dirigente perguntar: “Quais são os pedidos?”. Certamente é importante suplicar e interceder, só que mais importante ainda é abrir um espaço em nosso coração silencioso para acolher a misteriosa presença que vem nos visitar e falar conosco. É a presença divina que intercede por nós com gemidos inexprimíveis. Quando visitados pelo Espírito, deixamos de pedir e nossa oração se move para a gratidão, a confissão e a consagração.
Devocionários ajudam  a orar, e cada cristão encontra a maneira, o local, a frequência, o horário e a posição mais adequada para expressar seus afetos e abrir seu coração, suas alegrias e tristezas. Muitas vezes tentamos imitar outros ou descobrir um manual que nos ensine a orar.

No entanto, a oração é uma relação pessoal de amizade com   Deus. Não cabe num molde para ser reproduzida. É pessoal, espontânea e transformadora. Não é uma técnica a ser desenvolvida, uma produção mental ou uma euforia religiosa; trata-se de uma experiência do coração, do cultivo de uma relação de amor.
 


Não oramos para liquidar problemas de forma mágica. Oração é a prática de paciência. Situações difíceis, às vezes, não se resolvem, mas quando oramos, somos transformados. Nós nos consagramos a Deus e somos santificados de modo que, em certas ocasiões, não é a circunstância que muda, mas o nosso olhar.
Diante do mistério e do sagrado, o cristão se expressa por meio de afetos, poesia, metáforas, doxologias. No coração do ser humano surge música para contar a Deus a própria história: as alegrias se tornam salmos de louvor e as tristezas, lamentações.

Como dirigir a oração àquele que conhece todos os segredos, nos ama incondicionalmente, sabe o que se passa no mais profundo de nosso coração? Diante do Senhor, podemos nos abrir, dizer quem realmente somos, confessar nossos pecados e torpezas, sem máscaras, sem representações.
Orar é entrar e participar da comunhão da Trindade. A verdadeira vida de oração é pessoal. Ela conta a história da vida, é afetiva, toca os sentimentos, é transformadora, muda o olhar, é movida pela saudade, não pela ansiedade. A oração é, ao mesmo tempo, uma graça de Deus a ser recebida e uma disciplina espiritual a ser exercitada e desenvolvida.

(1) Osmar Ludovico, Meditatio Editora Mundo Cristão, SP, 2007.