12 março 2011

Vida Ativa e Vida Contemplativa (entrevista)

O texto a seguir reproduz um entrevista concedida pelo coordenador do Círculo Gregório de Nissa, Sérgio de Morais, à jornalista Maria Luiza de Castro Andrade, publicada em março de 2010 pelo jornal mensal Folha Carioca (no. 74).

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Em uma época marcada pela tecnologia, pela supremacia do dinheiro e do poder, é surpreeendente o número sempre crescente de pessoas que se inscrevem para as oficinas de Oração Centrante, promovidas pelo Círculo Gregório de Nissa, coordenado por Sérgio de Morais, um cearense radicado no Rio há 51 anos, engenheiro eletricista, casado e pai de duas filhas.

O materialismo exacerbado do século 20 teve sua contrapartida na busca espiritual, como sempre acontece quando há um desequilíbrio entre opostos. Nas décadas de 60 e 70, os jovens descobriram as religiões orientais, a ioga e suas diversas formas de meditação. Desde então, o número de pessoas que fazem meditação no mundo não para de crescer.

Como surgiu a Oração Centrante?

Na Igreja Católica, meditação e contemplação estavam associadas à vida monástica. Incentivados pelo Concílio Vaticano II, que exortava a Igreja a se expressar numa linguagem contemporânea, os monges trapistas americanos Thomas Keating, Basil Pennington e William Meninger perceberam que essa forma de oração, enraizada na tradição contemplativa da Igreja, poderia ser apresentada de forma acessível às pessoas e aos jovens de hoje atraídos pelas práticas religiosas do Oriente.

(Na foto acima, Dom Basil Pennington com Sérgio de Morais no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, em 1998). Como antes informado, Dom Basil foi um dos três mestres históricos da Oração Centrante – e o primeiro a visitar o Brasil, cumprindo programa de retiros e/ou palestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife / Olinda e no Mosteiro Trapista de Campo do Tenente, PR ).

A Oração Centrante é uma forma de meditação?

De fato há muitas características que justificariam essa classificação, mas evitamos o nome meditação porque na tradição cristã essa palavra está associada à reflexão. A Lectio Divina (leitura contemplativa das Escrituras), uma prática muito antiga que nós também ensinamos, inclui uma etapa (meditatio) em que meditamos (isto é, refletimos) sobre o texto lido. Mas quem quiser usar essa denominação deve considerar a OC como uma correspondente genuinamente cristã (não uma adaptação) da meditação oriental, com quase 700 anos de prática pelas comunidades monásticas.

Qual o atrativo maior da Oração Centrante para os adeptos da meditação?

Muitas pessoas não se sentem confortáveis cantando mantras em sânscrito ou em tibetano, sentadas à moda oriental, na posição de lótus. Para elas, a OC oferece uma prática contemplativa (ou meditativa) que remonta aos primórdios do Cristianismo. O método da OC foi tirado de um clássico do século XIV da literatura espiritual cristã, A Nuvem do Não Saber, tratado sobre contemplação escrito por um autor anônimo, considerada a obra mais importante da mística inglesa.

Além dos católicos, quem mais freqüenta os grupos de Oração Centrante?

A OC é aberta a todos os credos. Todos somos buscadores, todos estamos a caminho. A Igreja também. Os mestres e divulgadores da OC sempre desejaram trabalhar em contexto ecumênico. Muitos dos que participam de comunidades como a nossa estão em estado de rebelião em relação às suas Igrejas (Católica, Batista, Presbiteriana...). Estamos cientes disso, mas consideramos que nossas reuniões não são o lugar apropriado para discutir essas discordâncias. Nos espaços em que se pretende construir uma comunidade ecumênica é preciso que os participantes se abstenham de entrar em controvérsias e de formular críticas seja às igrejas alheias, seja à sua própria igreja.

Nos EUA e Canadá, países de maioria protestante, a adesão dos evangélicos aos grupos de Oração Centrante é um fato. E no Brasil?

Nós desejamos muito que isto venha a ocorrer também no Brasil. O “workshop” promovido por nós no Rio, em 2007, para membros dos Alcoólicos Anônimos e demais seguidores de programas de 12 passos, foi conduzido por Mary Rathbun, uma luterana-presbiteriana dos EUA. Talvez dentro de algum tempo possamos trazer ao Brasil Cynthia Bourgeault, uma guia espiritual que é pastora da Igreja Episcopal, atualmente uma das principais mestras de Oração Centrante em todo o mundo.

Devido à grande maioria de católicos entre nós, nossos retiros não poderiam deixar de ter uma fisionomia católica. E como não temos uma sede, os encontros costumam acontecer em salões cedidos pelas igrejas, que desejam oferecer a seus fiéis uma forma de oração silenciosa enraizada na tradição contemplativa cristã. Ou então, no Mosteiro de São Bento, na Casa de Retiro dos Jesuítas, em São Conrado, onde houver disponibilidade de horário e de espaço.

Os que praticam a OC também se reúnem em pequenos grupos, uma vez por semana, para praticá-la. Um certo tipo de apoio é necessário para perseverar na prática, de modo especial para os iniciantes. No dizer de Thomas Keating: “ Suponho que uma das grandes proteções da migração seja voar em bandos”.

Qual o requisito para orar e meditar de acordo com a tradição contemplativa cristã?

Todo aquele que busca a intimidade com Deus está apto a se aventurar na viagem. Na prática, a Oração Centrante é simples e não exige esforço algum. Sentado, de olhos fechados, aquiete-se manifestando seu consentimento em relação à presença e à ação interior de Deus em você. Como símbolo dessa intenção, escolha uma palavra sagrada (Deus, Amor, Paz...) para levá-lo ao silêncio interior. Essa palavra pode cessar, voluntária ou involuntariamente. Os pensamentos continuarão a passar por sua mente; se algum o arrastar, retorne a sua palavra sagrada e ao silêncio. Você não tem que se concentrar nem criar imagens mentais. Desapegue-se dos pensamentos e das emoções, deixe a mente aberta à escuta e à presença de Deus na profundidade do seu ser.

Como você administra essa combinação de vida ativa com vida contemplativa?

É difícil explicar o que me leva a carregar nos ombros responsabilidades não profissionais e... não remuneradas que exigem tanto de mim, como a coordenação do Círculo Gregório de Nissa (nossa organização embrionária no Rio), ao mesmo tempo em que me mantenho ativo como engenheiro. Pensando no que me leva a fazer isto, chego à conclusão que sou alguém que saiu fora da curva e foi atingido por uma forma branda de loucura. Reconheço uma pontinha de insanidade ao assumir tamanha responsabilidade. Quem faz o que faço tem, todos os dias, a oportunidade de deixar as atividades acessórias de lado e voltar à vida “normal”, mas nunca a aproveitamos. É o que ocorre comigo, para desalento da minha família ... (risos).


SERVIÇO: O contato com o Círculo Gregório de Nissa pode ser feito através do email: gnissa.rio@terra.com.br ou pela Caixa Postal 33266, CEP 22440-970, Rio de Janeiro, RJ. O Círculo mantém um blog com textos de interesse para a caminhada contemplativa (endereço: http://gnissa.blogspot.com/)

4 comments:

At domingo, 30 junho, 2013, Anonymous Anônimo said...

josekaramalak@gmail.com

ÓTIMA ENTREVISTA. O SR. É UM HOMEM ILUMINADO. CONGRATULAÕES !!!!!!
ABRAÇOS

 
At domingo, 30 junho, 2013, Anonymous Anônimo said...

CONGRATULAÇÕES !!!!!!!!

 
At segunda-feira, 01 julho, 2013, Anonymous Anônimo said...

muito obrigado p/trazer para o rio esta espiritualidade tão valioza.
beijo fraterono
ana

 
At segunda-feira, 08 julho, 2013, Anonymous Anônimo said...

Uma conhecida minha, médica, participou do último retiro e achou deslumbrante. Mil parabéns pela entrevista. Quero fazer esta experiencia também -

snet2001@bol.com.br

ass: Maria de Fátima

 

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