23 dezembro 2014

A Glória de Deus em Nós

O texto a seguir, de autoria do Pe. William Meninger, OCSO,  foi apresentado como uma homilia à comunidade do Mosteiro Trapista de São Bento (Snowmass, Colorado, EUA), na missa de 12 de outubro de 2014.

Nascido e educado na área de Boston, EUA, no seio de uma família chefiada pelo pai quacre e a mãe católica, William Meninger entrou bem jovem para um seminário, de onde saiu ordenado em 1958 após oito anos de estudos. Iniciou seu trabalho como sacerdote na diocese de Yakima, no Estado de Washington, onde por seis anos deu assistência religiosa à comunidade de uma reserva indígena e a trabalhadores migrantes de origem mexicana.
Em 1963 optou pela vida monástica, juntando-se à comunidade do Mosteiro Trapista de São José em Spencer, Massachussetts, onde permaneceu por quinze anos até transferir-se para seu atual mosteiro.
Passou três anos em Israel, onde dedicou-se ao estudo das Escrituras e ao ensino no Centro de Estudos Bíblicos de Jerusalém e no Mosteiro Trapista de Latroun.
Foi no Mosteiro de Spencer, em 1974, que ele propôs à comunidade monástica a divulgação da forma de oração contemplativa apresentada no livro "A Nuvem do Não-Saber" — que logo passaria a ser difundida em todo o mundo, sob o nome de Oração Centrante, por um trio de mestres históricos dessa prática constituído por ele mesmo e por seus confrades Thomas Keating e Basil Pennington.
Autor de vários livros sobre mística e espiritualidade, o perdão e a oração, entre os quais duas obras publicadas no Brasil [1, 2], o Pe. William Meninger notabilizou-se como mestre espiritual também em retiros pregados em vários países e continentes — Inclusive no Brasil, onde esteve por duas vezes a convite do Círculo Gregório de Nissa. 

Preocupado em conservar-se em permanente contato com os cristãos contemplativos,  e mesmo com contemplativos e místicos de outras tradições, o Pe. William Meninger  mantém um site na Internet [3] e distribui a um grande número de amigos, por meio de e-mails periódicos, notícias sobre suas atividades, além de suas reflexões e homilias.

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A doutrina do pecado original, como ensinada pela Igreja Católica, tem tido maior ou menor proeminência ao longo de sua história. Antes do Século V ela não parece ter sido proeminente. Depois do Século V e dos escritos de Santo Agostinho, ela passou a ocupar um lugar mais significativo. Em nossos dias, ou pelo menos durante o tempo da minha vida, ela tem sido bastante proeminente. O seu significado sempre foi um tanto obscuro, já que se trata de um mistério. Ao mesmo tempo, precisamente porque é um mistério da fé, ela tem de ser relevante para nossas vidas.

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que o pecado original não é um pecado no sentido em que comumente nós entendemos essa palavra, mas um estado ou — podemos mesmo dizer —, uma matriz na qual nós nascemos e vivemos nossas vidas. Como resultado do pecado original nossa compreensão de Deus é obscurecida. Perdemos a consciência de que Deus é a fonte amorosa, compassiva, não-julgadora de nosso verdadeiro ser e a meta de nossas vidas. Nossa compreensão tradicional do pecado original também obscurece, em nossas mentes, um dos ensinamentos mais importantes, confortadores e encorajadores de nossa fé: nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus. E, embora o pecado original possa obscurecer essa realidade, jamais poderá apagá-la.

Há alguma coisa, ou algum lugar dentro de nós que pertence inteiramente a Deus. Que nunca foi poluído, desfigurado ou obscurecido pelos erros de nosso intelecto, os devaneios de nossa imaginação ou a brutalidade de nossa vontade. Ela está presente dentro de nós e, se permitirmos, lançará um facho de luz através de nossas sombras, nosso desânimo e nossas falhas, e será como uma muralha em face de nossas fraquezas, e uma inesgotável esperança que nos impulsionará para a frente apesar de nossas desventuras pessoais e das tragédias sociais, mesmo de âmbito mundial, que possam nos afetar.

Embora raramente ouçamos pregação semelhante nas manhãs de domingo, este é um ensinamento básico da revelação cristã. Esta certeza nunca faltou nos místicos ou naqueles que buscam Deus pela oração contemplativa. Juliana de Norwich afirma: "Há em nós uma parte mais elevada que nunca conheceu o pecado e nunca conhecerá”. São João da Cruz nos lembra de que a alma humana, tão rebelde como possa ser, em seu estado natural é tão perfeita como quando Deus a criou.

Não é difícil entrar em contato com esse lugar dentro de nós e com o Deus que nele habita.  O Amor, em todas as suas manifestações, nasce ali, e ali alcança a sua plenitude. É por isto que o amor une todas as coisas; como Henry Nouwen diz, "O coração de Deus, o coração de toda a criação, e os nossos próprios corações tornam-se um só no amor."

Esta não é apenas uma abstração teológica. Bem fundo em nossos corações, o Espírito Santo de Deus e nosso ser mais profundo e secreto estão em íntima união. Como Juliana de Norwich nos diz, o Espírito está mais próximo de nós do que nós de nós mesmos. Somos morada de Deus. Levamos Deus conosco em todos os eventos de nossa vida. Se dermos nosso consentimento, Deus será uma parte de todos os nossos relacionamentos. Ele transformará cada falha nossa. Ele nos diz, "Antes que você me chame eu lhe direi: aqui estou." Deus está presente não apenas em você como indivíduo mas também, quer você o reconheça ou não, em todas as outras pessoas. Eu e você somos convidados a reconhecer a glória de Deus um no outro. Ela é, como Thomas Merton diz, "como um diamante puríssimo, brilhando à luz invisível do céu. Ela está em cada pessoa, e se pudéssemos enxergá-la veríamos esses bilhões de pontos de luz juntando-se sob o brilho ofuscante de um sol que faria desaparecer inteiramente toda a escuridão e crueldade da vida".
Possa você ser feliz,
Possa você ser livre,
Posa você ser amoroso(a),
Possa você ser amado(a).

[1] "A Busca Amorosa por Deus" (livro) — Edições Bagaço, Recife, PE.
 
[2] "O Processo do Perdão" (livro) — Editora Santuário, Aparecida, SP.

[3] "Contemplative Prayer for Everyone" (site em inglês) —       Endereço:
 http://www.contemplativeprayer.net

1 comments:

At sexta-feira, 09 janeiro, 2015, Blogger Unknown said...

Iluminado e claro texo Sérgio. Gratidão!

 

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