07 abril 2012

Significados da Páscoa

A festa pascal dos cristãos comemora, ao mesmo tempo, a instituição da antiga e da nova aliança, ao recordar a última ceia pascal de Jesus com seus discípulos, na perspectiva de sua próxima morte e ressurreição.

O significado da Páscoa tem sido objeto da atenção de todos os pensadores e contemplativos cristãos ao longo dos séculos, e graças a essa contínua atividade nossa compreensão do sentido da Revelação tem sido enriquecida, seja pela apresentação de novos aspectos e desdobramentos do evento pascal, seja pelo aprofundamento do magistério fundado em torno dele. Os textos a seguir, recolhidos em três fontes, exemplificam esse esforço.

 
Os Bispos da França, em seu Catecismo para Adultos (1), recordam, em comentário aos eventos que se seguiram à última ceia, as palavras de São Paulo: "Mas nós proclamamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os povos pagãos. Mas, para aqueles que são chamados por Deus, sejam judeus ou gregos, esse Messias é poder de Deus e sabedoria de Deus. " (1 Co 1, 23-24). Esta palavra de Paulo (prossegue o Catecismo) recorda-nos o movimento de conversão que devemos realizar sem cessar para reconhecer o Salvador em um homem crucificado. A cruz foi, é e sempre será um escândalo e uma loucura. E, no entanto, "a loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que o homem." (1 Co 1, 25).
 
Para permanecer ao pé da cruz precisaremos sempre, afirmam os Bispos, de uma conversão do olhar: "Eles elevarão os olhos para aquele a quem transpassaram." (Jo 19, 37)
 
O teólogo conciliar Hans Küng, em seu comentário ao Credo dos apóstolos (2), escreve:
 
"... A fé na ressurreição não vem simplesmente juntar-se à fé em Deus, mas é uma radicalização dessa fé, de uma fé em Deus que não para a meio caminho mas que vai, logicamente, até o fim. Trata-se de uma fé onde, sem prova racional peremptória, mas numa confiança plenamente razoável, o homem se fia nesse Deus do começo para reconhecer também nele o Deus do fim: o criador do mundo e do homem é também o da sua conclusão.
 
"A fé na ressurreição pode e deve transformar nossa vida aqui e agora: o engajamento incondicional nessa vida única, aqui e agora, pode e deve ser motivado e confortado por um senso último da vida e da morte, como testemunham incontáveis exemplos. E, no entanto, a fé na ressurreição não se reduz a uma simples interiorização existencial ou a uma transformação social, mas ela é uma radicalização da fé no Deus criador: a ressurreição significa a vitória real sobre a morte, vitória que devemos a Deus, de quem o fiel espera tudo, aí compreendida a realidade última, a vitória sobre a morte. O fim que é um novo começo! Aquele que começa seu Credo afirmando sua fé em Deus, "o Criador todo-poderoso" pode, portanto, concluí-lo tranquilamente afirmando sua fé na "vida eterna", que é o próprio Deus. Pois assim como Deus é o Alfa, é também o Ômega! O Criador todo-poderoso, que convida do nada ao ser, pode convidar, também, à vida após a morte."

O carmelita Wifrid Stinissen (um inspirado escritor contemplativo flamengo-belga radicado na Suécia), em um de seus livros (3), fala de outro aspecto do mistério pascal: a redenção do tempo.

"A fé percebe a energia criativa dissimulada no núcleo dos insucessos e experiências traumatizantes do nosso passado. O pecado
o dos outros e o meu pode tornar-se graça. O insucesso pode contribuir para um crescimento da confiança. A solidão pode contribuir para um encontro mais profundo com Deus. Talvez possamos compreender melhor o sentido cristão do tempo depois de termos falhado e constatado que os maus passos não impedem, necessariamente, nosso progresso, mas podem apressá-lo.

"... Muitos elementos de nossa vida mantêm-se na sombra (inconscientes) e aí permanecerão por toda a extensão do tempo em que estivermos nesta terra. Mas isto não é um obstáculo (para o perdão)! O tempo, em toda a sua extensão, foi redimido por Jesus Cristo de uma vez por todas. Ele recapitula todas as coisas. Ele é o Alfa e o Ômega, aquele que é, que era e que vem,
o Todo-Poderoso (Ap 1, 8). Aquilo que foi e aquilo que vem acham-se reunidos nele, num contínuo presente, transparente e penetrado de luz.
 
"Ele transformou todo sofrimento em amor ao tomar sobre si, por amor, a carga de todo sofrimento. Da mesma forma, quando tomou sobre si o tempo e o sofrimento da humanidade, no mesmo ato transformou em luz tudo aquilo que, no nosso passado, era obscuro e absurdo. Nenhuma ferida, nenhum traumatismo existem que já não tenham passado, com o Cristo, por sua morte e sua ressurreição. Nele, tudo já foi transfigurado de uma vez por todas. Nós podemos confiar nessa transfiguração definitiva. A nós é oferecida a oportunidade de repousar nela."
 
(1) Conférence des Évêques de France, Catéchisme pour Adultes des Éveques de France – L'Alliance de Dieu Avec les Hommes. Éditions Livre de Poche, França, 1991.

(2) Hans Küng, Credo
La Confession de Foi des Apôtres Expliquée aux Hommes D'Aujourd'Hui. Éditions du Seuil, Paris, 1996.

(3) Wilfrid Stinissen, OCD,
L'Éternité au Coeur du Temps. Éditions du Carmel, Toulouse, 2004.