Significados da Páscoa
A festa pascal dos cristãos comemora, ao mesmo tempo, a instituição da antiga e da nova aliança, ao recordar a última ceia pascal de Jesus com seus discípulos, na perspectiva de sua próxima morte e ressurreição.
O significado da Páscoa tem sido objeto da atenção de todos os pensadores e contemplativos cristãos ao longo dos séculos, e graças a essa contínua atividade nossa compreensão do sentido da Revelação tem sido enriquecida, seja pela apresentação de novos aspectos e desdobramentos do evento pascal, seja pelo aprofundamento do magistério fundado em torno dele. Os textos a seguir, recolhidos em três fontes, exemplificam esse esforço.
Os Bispos da França, em seu Catecismo para Adultos (1), recordam, em comentário aos eventos que se seguiram à última ceia, as palavras de São Paulo: "Mas nós proclamamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os povos pagãos. Mas, para aqueles que são chamados por Deus, sejam judeus ou gregos, esse Messias é poder de Deus e sabedoria de Deus. " (1 Co 1, 23-24). Esta palavra de Paulo (prossegue o Catecismo) recorda-nos o movimento de conversão que devemos realizar sem cessar para reconhecer o Salvador em um homem crucificado. A cruz foi, é e sempre será um escândalo e uma loucura. E, no entanto, "a loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte que o homem." (1 Co 1, 25).
Para permanecer ao pé da cruz precisaremos sempre, afirmam os Bispos, de uma conversão do olhar: "Eles elevarão os olhos para aquele a quem transpassaram." (Jo 19, 37)
O teólogo conciliar Hans Küng, em seu comentário ao Credo dos apóstolos (2), escreve:
"... A fé na ressurreição não vem simplesmente juntar-se à fé em Deus, mas é uma radicalização dessa fé, de uma fé em Deus que não para a meio caminho mas que vai, logicamente, até o fim. Trata-se de uma fé onde, sem prova racional peremptória, mas numa confiança plenamente razoável, o homem se fia nesse Deus do começo para reconhecer também nele o Deus do fim: o criador do mundo e do homem é também o da sua conclusão.
"A fé na ressurreição pode e deve transformar nossa vida aqui e agora: o engajamento incondicional nessa vida única, aqui e agora, pode e deve ser motivado e confortado por um senso último da vida e da morte, como testemunham incontáveis exemplos. E, no entanto, a fé na ressurreição não se reduz a uma simples interiorização existencial ou a uma transformação social, mas ela é uma radicalização da fé no Deus criador: a ressurreição significa a vitória real sobre a morte, vitória que devemos a Deus, de quem o fiel espera tudo, aí compreendida a realidade última, a vitória sobre a morte. O fim que é um novo começo! Aquele que começa seu Credo afirmando sua fé em Deus, "o Criador todo-poderoso" pode, portanto, concluí-lo tranquilamente afirmando sua fé na "vida eterna", que é o próprio Deus. Pois assim como Deus é o Alfa, é também o Ômega! O Criador todo-poderoso, que convida do nada ao ser, pode convidar, também, à vida após a morte."
O carmelita Wifrid Stinissen (um inspirado escritor contemplativo flamengo-belga radicado na Suécia), em um de seus livros (3), fala de outro aspecto do mistério pascal: a redenção do tempo.
"A fé percebe a energia criativa dissimulada no núcleo dos insucessos e experiências traumatizantes do nosso passado. O pecado – o dos outros e o meu – pode tornar-se graça. O insucesso pode contribuir para um crescimento da confiança. A solidão pode contribuir para um encontro mais profundo com Deus. Talvez possamos compreender melhor o sentido cristão do tempo depois de termos falhado e constatado que os maus passos não impedem, necessariamente, nosso progresso, mas podem apressá-lo.
"... Muitos elementos de nossa vida mantêm-se na sombra (inconscientes) e aí permanecerão por toda a extensão do tempo em que estivermos nesta terra. Mas isto não é um obstáculo (para o perdão)! O tempo, em toda a sua extensão, foi redimido por Jesus Cristo de uma vez por todas. Ele recapitula todas as coisas. Ele é o Alfa e o Ômega, aquele que é, que era e que vem, o Todo-Poderoso (Ap 1, 8). Aquilo que foi e aquilo que vem acham-se reunidos nele, num contínuo presente, transparente e penetrado de luz.
"Ele transformou todo sofrimento em amor ao tomar sobre si, por amor, a carga de todo sofrimento. Da mesma forma, quando tomou sobre si o tempo e o sofrimento da humanidade, no mesmo ato transformou em luz tudo aquilo que, no nosso passado, era obscuro e absurdo. Nenhuma ferida, nenhum traumatismo existem que já não tenham passado, com o Cristo, por sua morte e sua ressurreição. Nele, tudo já foi transfigurado de uma vez por todas. Nós podemos confiar nessa transfiguração definitiva. A nós é oferecida a oportunidade de repousar nela."
(1) Conférence des Évêques de France, Catéchisme pour Adultes des Éveques de France – L'Alliance de Dieu Avec les Hommes. Éditions Livre de Poche, França, 1991.
(2) Hans Küng, Credo – La Confession de Foi des Apôtres Expliquée aux Hommes D'Aujourd'Hui. Éditions du Seuil, Paris, 1996.
(3) Wilfrid Stinissen, OCD, L'Éternité au Coeur du Temps. Éditions du Carmel, Toulouse, 2004.