Contemplação e vida contemplativa
Para Dom Thomas Keating, OCSO (1) a contemplação, "um desenvolvimento normal da graça do batismo" é "a abertura da mente e do coração – de todo o nosso ser – a Deus, o Mistério Último, para além de palavras, pensamentos e emoções". Em outro texto, o mesmo autor nos diz que a contemplação é "uma experiência da presença do Deus Trinitário como o substrato em que nosso ser se enraíza, a fonte de onde jorra continuamente a vida". Presença anterior à nossa experiência dela e que, segundo Santo Agostinho, é mais íntima de nós que nós mesmos.
Por vezes simplesmente referida como um "descanso" em Deus, um "olhar amoroso" para ele, a contemplação pressupõe um estado interior de silêncio, de abandono e apaziguamento. No livro "Espiritualidade, Contemplação e Paz" (3), o Pe. Louis Merton, OCSO (Thomas Merton)menciona cinco "elementos essenciais da contemplação mística":
- É uma intuição que, em seu nível inferior, transcende os sentidos. No nível superior, transcende o próprio intelecto.
- Daí ser ela caracterizada por uma espécie de luz-nas-trevas, de conhecimento no "desconhecimento".
- Nesse contato com Deus, na obscuridade, deve haver certa afinidade amorosa de ambas as partes. Do lado do homem, deve haver desapego das coisas sensíveis, (...) um esforço generoso de renúncia ascética de si mesmo.
- A contemplação é obra do amor, e o contemplativo prova que ama deixando todas as coisas, mesmo as espirituais, para ir a Deus no nada, no desprendimento e na "noite". Mas o fator decisivo na contemplação é a livre e imprevisível ação de Deus.
- Esse conhecimento de Deus no "desconhecimento" não é intelectual, nem mesmo, no sentido estrito, afetivo. (...) É um trabalho de união interior e de identificação na caridade divina.
Ao longo da história o conceito de vida contemplativa tem sido, freqüentemente, assimilado (com certa razão) ao de vida de oração. Por ser a forma de vida monástica aquela que oferece mais oportunidades para a prática regular e intensa da oração, tornou-se comum considerar a vida contemplativa como um privilégio exclusivo dos religiosos das ordens de clausura. Felizmente, superado este engano, é possível hoje estender a todos os cristãos, sejam religiosos, sejam leigos, o convite à vida contemplativa.
Há bons motivos para recusar, por outro lado, a idéia de duas formas inconciliáveis de vida: a vida ativa e a vida contemplativa. Como escrevem Jacques e Raïssa Maritain (4), “Aqueles que estão engajados na vida ativa não devem renunciar à contemplação sob o pretexto de que não levam uma vida contemplativa. Bem ao contrário, eles têm uma razão a mais para apegar-se à contemplação, eles têm uma necessidade mais urgente de oração (...) A substância da contemplação não lhes é recusada. Eles devem pedir a graça de uma vida interior bastante intensa, para que mesmo sua ação seja decorrente da superabundância de sua contemplação.
(1) Thomas Keating, OCSO: Mente Aberta Coração Aberto – Edições Loyola, 2005
(2) William Johnston, SJ: Arise, My Love ... Mysticism for a New Era – Orbis Books, New York, 2000
(3) Thomas Merton: Espiritualide, Contemplação e Paz – Editora Itatiaia, 1962
(4) Jacques e Raïssa Maritain: De la Vie d'Oraison – l'Art Catholique, 1947 – Ed. Saint-Maur, 1998